Quando a natureza é projeto
Onde: • 20 de Junho - 2025 |Ao traduzir princípios naturais em projetos, a arquitetura biomimética cria espaços que não apenas funcionam bem, mas fazem bem

Na natureza, nada é por acaso. Cada forma, função e conexão cumpre um papel de equilíbrio, adaptação e eficiência. É justamente dessa inteligência natural que parte o conceito da biomimética, área que observa como organismos e ecossistemas se comportam para aplicar essas estratégias no desenvolvimento humano — da tecnologia à arquitetura.
Na construção civil, a biomimética tem sido usada como uma aliada para pensar projetos mais sustentáveis, com menor impacto ambiental e melhor desempenho térmico, estrutural e energético. A seguir, reunimos cinco exemplos emblemáticos de edifícios ao redor do mundo que traduzem esse conceito em formas, sistemas e materiais inspirados pela própria natureza.
Eastgate Centre – Harare, Zimbábue
Inspiração: tocas de cupins africanos
Projetado pelo arquiteto Mick Pearce, o Eastgate Centre utiliza ventilação natural inspirada nas tocas de cupins, que mantêm temperatura estável mesmo sob calor extremo. O edifício dispensa o uso de ar-condicionado convencional, reduzindo em até 90% o consumo energético em comparação a prédios similares. Um exemplo claro de como a natureza resolve o conforto térmico com precisão.
The Gherkin (30 St Mary Axe) – Londres, Inglaterra
Inspiração: esponja marinha Venus flower basket
Apesar do apelido "Gherkin" vir da semelhança com um pepino em conserva, a inspiração técnica para a fachada veio da esponja marinha Euplectella aspergillum. Essa estrutura tubular natural apresenta uma malha de suporte extremamente resistente e leve. O edifício, assinado por Norman Foster, utiliza um sistema diagrid (malha diagonal de aço), que proporciona ventilação natural entre os andares, iluminação eficiente e alta resistência a ventos, reduzindo o uso de climatização artificial.
Estádio Nacional de Pequim (Ninho do Pássaro) – China
Inspiração: ninhos de pássaros
Projetado pelos escritórios Herzog & de Meuron e Ai Weiwei, o estádio tem estrutura entrelaçada que simula um ninho, unindo resistência e leveza. A forma não é apenas estética: permite ventilação natural e sombreamento interno, tornando o ambiente confortável mesmo com grande fluxo de pessoas.
One Ocean Pavilion – Expo 2012, Yeosu, Coreia do Sul
Inspiração: corais e organismos marinhos
Desenhado para a Exposição Mundial de 2012, o pavilhão One Ocean utiliza formas porosas inspiradas em estruturas marinhas como corais e esponjas. A fachada regula luz e ventilação, criando microclimas internos. O projeto reflete o tema da exposição — “O Oceano e a Vida Costeira” — de forma conceitual e funcional.
Trem-bala Shinkansen – Japão
Inspiração: bico do martim-pescador
Embora não seja um edifício, esse é um dos casos mais citados de biomimética no design urbano. O ruído gerado quando o trem saía dos túneis era excessivo. A solução veio da observação do bico do martim-pescador, que corta a água sem fazer ondas. O novo formato do nariz do trem reduziu o barulho, aumentou a velocidade e economizou energia.
O impacto direto sobre o ser humano
Além dos benefícios ambientais e técnicos, a arquitetura biomimética também oferece impactos profundos e mensuráveis na qualidade de vida das pessoas que habitam ou frequentam esses espaços. Estudos internacionais, como os realizados pela Academy of Neuroscience for Architecture e instituições como Harvard e Terrapin Bright Green, demonstram que a presença de formas, materiais e padrões inspirados na natureza contribui para redução do estresse, melhora da concentração, bem-estar emocional e desempenho cognitivo.
Ambientes que priorizam a luz natural, ventilação cruzada, fluidez nos espaços e texturas orgânicas são percebidos como mais acolhedores, saudáveis e agradáveis ao olhar. Essa relação é explicada pelo conceito de biofilia, que descreve o vínculo instintivo entre o ser humano e a natureza. Quando a arquitetura respeita esse vínculo, ela proporciona não apenas abrigo, mas também conforto sensorial, equilíbrio emocional e sensação de pertencimento.
Ao traduzir princípios naturais em soluções projetuais, a arquitetura biomimética cria espaços que não apenas funcionam bem, mas fazem bem. E é justamente nesse ponto que ela se destaca: quando a forma, a função e o bem-estar caminham lado a lado.